Já
tenho mencionado (nessa postagem, por exemplo) a importância do estudo e
conhecimento da palavra de Deus tanto para o cristão individualmente como em virtude
da necessidade do testemunho. Hoje quero enfatizar esse segundo ponto e
trabalhar a questão com base 1) na instituição do sacerdócio de todos os
crentes, 2) na indispensabilidade do conhecimento bíblico para a missão e 3) no
papel e importância do ministério pastoral na edificação dos cristãos.
Em
primeiro lugar, é fato desde o Antigo Testamento que o povo de Deus é povo de
sacerdotes. Todos, sem exceção, são declarados sacerdotes. “Reino de
sacerdotes”: Assim a nação israelita é chamada em Êx 19.6. Da mesma forma o
Novo Testamento assim afirma a todos os batizados em 1Pe 2.5,9 e Ap 1.6; 5.10.
O
sacerdote é alguém que assume uma posição intermediária, mediadora e
representativa entre Deus e os homens. Ele tanto fala de Deus às pessoas quanto
das pessoas para Deus. Orar pelo perdão de si e de outros e oferecer os
sacrifícios ordenados são algumas de suas principais funções. No entanto, a
primeira e primordial função de um sacerdote é ensinar a respeito dos oráculos
divinos – as Escrituras Sagradas.
Visto
que o ensino das Escrituras é a primeira responsabilidade de um sacerdote,
acredito que podemos atribuir isso aos cristãos enquanto sacerdotes reais. O
fato de que poucos são chamados ao ensino público no ofício do Ministério não
significa que os cristãos não podem ensinar a Bíblia aos irmãos na fé ou em um
diálogo missionário nas mais diversas situações da vida. Muito pelo contrário,
eles não só podem como é seu dever ensinar a palavra de Deus sempre que tiverem
oportunidade. No entender de Martinho Lutero, todo cristão é professor de
Bíblia. E só há uma maneira de relegar esse professorado: Abandonando o
discipulado e a Cristo.
Assim,
percebe-se que quando Deus faz de alguém um sacerdote, ele o faz com o intuito
de, por meio daquela pessoa, alcançar a outros com sua palavra e trazê-los para
si mediante a conversão que sua palavra efetua enquanto instrumento do Espírito
Santo. A missão é de Deus. É ele (e não a Igreja) o autor e realizador da
missão. Não obstante ele faz questão que façamos parte desse trabalho.
O que
temos, portanto, é o honroso privilégio e séria responsabilidade de promulgar a
palavra, o ensino e a vontade de Deus conforme registrados na Escritura, tanto
a crentes como a descrentes. Assim, servindo como instrumentos nas mãos de Deus
para manter a fé e fortalecer o conhecimento do que crê e revelar ao que não
crê o mistério da salvação em Jesus. Isso nem de longe é coisa pequena e
insignificante, senão a maior honra e dádiva divina de sermos participantes na
missão de Deus de buscar e salvar o pecador.
Que
alegria sem medida é ver um descrente sendo convertido do seu caminho e se
agarrando unicamente a Cristo como salvador e fonte de toda providência e
socorro. Até os anjos nos céus festejam e folgam (Lc 15.10). Por outro lado, o
que responderíamos ao Salvador naquele Dia, caso questionados a respeito do
sangue e da alma daqueles a quem poderíamos ter anunciado o Evangelho e,
contudo, não o fizemos? (Cf. Ez 33) O cristão, por isso, é sempre um ponto de
luz nas trevas do mundo. Deus, em sua justiça e sabedoria, o coloca onde ele
pode fazer alguma diferença pelo testemunho oral e exemplar. A Igreja é fiel no
realizar da missão de Deus quando cada cristão, nos ambientes de sua convivência,
é fiel no comprometimento de levar Cristo ao seu próximo.
Em
segundo lugar, haja vista termos tão grande privilégio e encargo de ensinar a
palavra de Deus em virtude do sacerdócio tomado parte no Batismo, é de
indizível importância que nos dediquemos ao estudo da Bíblia a fim de cada vez
nos encontrarmos melhor preparados para dela falar. Embora seja verdade que o
Espírito Santo nos conduz em nosso testemunho diário, de modo que não
precisamos nos angustiar sobre o que dizer (Mt 10.20), também é verdade que o
Espírito nos ensina pela Escritura, a qual é inspirada por Deus e útil para o
ensino (2Tm 3.16).
Por
isso, Pedro, após encorajar-nos ao discipulado, diz expressamente: “Santificai
a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para
responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós”. Chamo
a atenção a dois pontos aqui. Primeiro: Santificar a Cristo no coração
significa se dedicar, consagrar-se a ele completamente, ser leal ao seu dever
como servo de Cristo, o que está imediatamente relacionado ao estar preparado
para falar da esperança cristã. Portanto, nenhum cristão está completamente
comprometido à causa de Cristo a menos que se prepare para essa tarefa.
Segundo:
a palavra do texto original para “responder”, nesse versículo, é apología, que significa falar em defesa,
falar contra acusações falsas. Ou seja, as respostas que o cristão precisa
estar preparado para dar são aquelas que esclarecem a palavra de Deus mostrando
ao acusador que seu pretendido “xeque-mate” está mais para um peão que mal
avançou uma casa. Não que Deus precise de advogados, mas que todos, em algum
momento, precisamos de esclarecimento, é verdade – especialmente o descrente. O
objetivo é levar as pessoas a crerem na mensagem bíblica e, assim, alcançarem a
firme esperança da salvação. (Cf. Rm 15.4; Tt 1.9)
Igualmente,
prevenindo-nos contra a apostasia, fruto de falsos ensinos, o apóstolo exorta:
“Crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”
(2Pe 3.18). E ainda o próprio Salvador vai direto ao ponto em Jo 5.39:
“Examinai as Escrituras”. Examiná-las, isto é, não apenas lê-las, porém meditar
nelas e procurar aprendê-las com diligente esforço. Por último, ainda podemos
lembrar que, na Grande Comissão de Mateus (Mt 28.18-20), Jesus coloca o ensino
como algo decorrente ao Batismo e parte da ordem “fazei discípulos”. Ora, é
bastante óbvio que não é possível ensinar a respeito do que ainda não sabemos.
Deus
criou o ser humano social e comunicativo. Tudo o que sabemos e aprendemos está
relacionado diretamente à linguagem. Isso ressalta a necessidade do ensino e o
interesse divino por ele, pois é através do ensino que aprendemos e isso também
diz respeito ao conhecimento da salvação. Deus ordenou aos pais que ensinassem
aos filhos sua palavra (Dt 6.6-7; Ef 6.4). Salomão admoestou repetidas vezes
que ninguém despreze a instrução, o ensino e a repreensão (p. ex. Pv 4.13;
8.33; 12.1). Deveras, o ensino bíblico é imprescindível e, portanto, indispensável
seu conhecimento.
Em
terceiro lugar, ninguém pense que pode estudar a Bíblia e ser igreja sozinho.
Pessoas que não vão à igreja sob a alegação de estudarem a Bíblia em casa,
antes de qualquer coisa, não entenderam a Bíblia e nada sabem sobre o culto, a
Igreja Cristã e o Ministério. Desde que existe Igreja, esta se reúne em algum
lugar para ler e meditar nas Escrituras, orar e render graças a Deus com hinos
e salmos. O reunir-se está na essência da Igreja. Igreja é corpo (Rm 12.5; 1Co
12.12ss; Ef 4.12; Cl 3.15). Além disso, Deus instituiu o ofício do Ministério
precisamente para o fortalecimento da Igreja. Tem, porém, pouco proveito se os
cristãos não se reúnem nem o valorizam.
O
Ministério não é superior ao laicato, como muitas vezes se pensa. Pastor e
membros estão lado a lado, salvo quando aquele ministra a Palavra e os
sacramentos, fazendo uso da autoridade recebida da própria congregação. O livro
de Êxodo mostra isso ao colocar a instituição do ofício sacerdotal (Êx 28) só
depois da “instituição” do reino de sacerdotes (Êx 19). Isso significa que tal
ofício tem caráter funcional, isto é, só existe em função do reino de
sacerdotes. Em outras palavras, através do ministério pastoral, Deus cria e
mantém a fé nos cristãos e os fortalece para o exercício do seu sacerdócio no
mundo. Sacerdote que edifica sacerdotes.
O
ministro, por isso, é chamado para pregar e ensinar a palavra de Deus e administrar
os santos sacramentos. Ele é aquele que se ocupa com a palavra e se empenha em
seu ensino (1Tm 4.13; Tt 2.7). Não é sem motivo que o apóstolo Paulo afirma
serem merecedores de dobrada honra os que se esmeram em ensinar (1Tm 5.17).
Além
disso, não poderíamos esquecer de Ef 4.11ss., com base no qual alguns costumam
chamar o pastor de “edificador dos santos”. Ali diz que Deus concedeu pessoas
com diferentes funções, dentre elas o pastorado, a fim de que alguns objetivos
sejam passíveis de concretização. Um desses objetivos é que todos cheguemos ao “pleno
conhecimento do Filho de Deus” (13). Esse “pleno conhecimento” denota um
conhecimento mais aprofundado. E a consequência desse conhecimento é que não
sejamos levados “por todo vento de doutrina” (14). Mais uma vez, a importância
do ensino é colocada em alta estima.
Mais
poderia ser dito sobre a pregação ou o diálogo cristão/missionário. Contudo,
isso já parece mais que suficiente para frisar a necessidade do estudo sério da
palavra de Deus por todos os cristãos, visto sermos todos sido chamados a
exercer o sacerdócio real de Cristo lá onde ele nos coloca, ensinando sua
palavra de vida e salvação aos irmãos na fé e também ao perdido e condenado.
Recomendamos sobre esse assunto:
KOLB, Robert. Comunicando o evangelho hoje.
SHULZ, Klaus D. Christ’s ambassadors.
ZIMMER, Rudi. O sacerdócio universal dos crentes.